O papel da arquitetura e da engenharia em um novo Brasil

Debate expõe necessidade de valorizar o projeto para dotar o país de infraestrutura de qualidade

Um dos mais interessantes workshops realizados durante o Construction Summit 2016 foi o intitulado “O papel da arquitetura e da engenharia em um novo Brasil”. No evento, realizado neste dia 16 de junho no novo São Paulo Expo, o centro de exposições do governo estadual no início da rodovia dos Imigrantes, em São Paulo, os engenheiros Ozires Silva, criador e ex-presidente da Embraer e atual reitor da universidade Unimonte; José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco; Afonso Mamede, presidente da Sobratema; e o arquiteto Sérgio Magalhães, presidente do IAB, discutiram os enormes desafios da arquitetura e da engenharia brasileiras numa conjuntura político-econômica adversa.

O debate girou em torno dos temas educação, inovação e a necessidade de valorizar o projeto de arquitetura e de engenharia para dotar o país de empreendimentos públicos e infraestrutura de qualidade, como a melhor forma de retomar o crescimento e a melhoria das condições de vida das cidades brasileiras. Ozires Silva destacou as mudanças ocorridas neste século 21, com o avanço da globalização, da sociedade da informação e do papel central que a educação exerce para os países que pretendem se destacar nas próximas décadas.

“Não há produtos brasileiros nas cidades do mundo, mas as ruas das cidades brasileiras estão cheias de produtos estrangeiros”, comparou. Para ele, os paradigmas nessa área são dados pela China, “que promoveu a maior revolução educacional do mundo”, e pela Coréia do Sul, “país de fanáticos pela educação” e que se transformou num país avançado graças a esse “fanatismo”.

Para Ozires Silva, são necessários fortes investimentos na educação, com o estímulo à ciência e às tecnologias, à inovação e ao empreendedorismo, na infraestrutura em colaboração com o setor privado, numa união do governo e da sociedade, para que o país ganhe escala e supere etapas em seu desenvolvimento. “Não podemos nos colocar numa posição secundária. Precisamos pensar grande e fazer o Brasil maior”, provocou Silva.

A engenharia brasileira construiu uma infraestrutura formidável, com hidrelétricas como Itaipu, Tucuruí, ponte Rio-Niterói, portos e aeroportos, entre outras grandes obras, aqui e no exterior, demonstrando sua capacidade. Porém, a atual crise político-econômica tem ceifado muitos empregos no setor, tirando profissionais experientes do mercado e deixando as empresas de construção muito preocupadas com o futuro, afirmou Afonso Mamede, presidente da Sobratema.

“Precisamos de obras contratadas com base em bons projetos de arquitetura e de engenharia para termos empreendimentos de qualidade. Sem isso, as coisas não caminham”, avaliou Mamede. É necessário, disse ele, que o setor privado leve sua colaboração ao governo para o desenvolvimento da infraestrutura que falta em nosso país – portos, aeroportos, ferrovias etc. – para a retomada do crescimento.

A enorme mudança na configuração demográfica/populacional por que passou o Brasil nos últimos 70 anos, passando de um país com 2 milhões de domicílios em 1945 para 60 milhões de domicílios em 2010, com previsão da necessidade de mais 50% (30 milhões de domicílios) até 1940, com a inversão da pirâmide demográfica – de um país predominantemente de jovens, passaremos a ser uma nação com forte contingente de idosos – foram os dados lançados pelo arquiteto Sérgio Magalhães, presidente nacional do IAB. Para ele, os grandes desafios do Brasil, da educação, da inovação, da cultura, são urbanos. Nesta geração, o tamanho das famílias diminuirá, passando de três pessoas por domicílio para menos de duas pessoas por domicílio, em média.

Magalhães avaliou que, se houver políticas econômicas adequadas e existirem bons projetos, é possível construir o total de residências necessárias, e bem. Porém, para isso, é preciso mudar o modelo urbano. Não há mais condições de expandir as cidades para as suas periferias e manter os serviços públicos. Ele mostrou exemplos de conjuntos habitacionais construídos nos anos 1960 e atualmente, no programa Minha Casa, Minha Vida. O modelo é o mesmo, muito ruim. “Precisamos de cidades compactas e contínuas, com políticas de financiamento diretamente para as famílias e não para os construtores; senão continuaremos construindo enormes conjuntos habitacionais sem esgotos, sem escolas, sem serviços públicos. E precisamos priorizar o transporte público, pois o custo do transporte individual é 14 vezes maior para o estado, para a sociedade”, finalizou Magalhães, lembrando que em 2020 o Brasil sediará o maior evento mundial de arquitetos, no Rio de Janeiro, o 27º Congresso Mundial de Arquitetos, que discutirá o desenvolvimento de nossas cidades sob o tema “Todos os mundos. Um só mundo. Arquitetura 21”.

Um relatório recentemente lançado pela ONU mostrou que o atual modelo de urbanização empregado na maior parte dos países é insustentável, tanto em relação ao meio ambiente quanto aos riscos para as pessoas, lembrou José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco. O modelo precisa mudar: hoje as cidades acolhem 54% da população mundial; em 2050, serão 66%. No Brasil, moram nas cidades 85% da nossa população. Bernasconi lembrou a frase do presidente da ONU, Ban Ki Moon: “Encorajo a todos os responsáveis a projetar e a construírem cidades para que todos os seus habitantes possam viver com dignidade”.

Esse desafio, porém, é muito mais complexo no Brasil, devido a diversos fatores. A elevada carga tributária e a concentração das receitas no governo federal são alguns deles. O Brasil tem hoje uma carga tributária que alcança 40% da riqueza produzida pelo país. Bernasconi comparou essa situação à da Coréia do Sul, que tem carga tributária de 18%. Esse fato, avalia o presidente do Sinaenco, faz com a sociedade arque com uma carga insuportável de impostos, reduzindo sua capacidade produtiva. A situação brasileira atual, com elevados níveis de desigualdade social, de poluição ambiental, de dificuldade da população de baixa renda de ter acesso aos serviços públicos, não pode ser mantida.

Ele lembrou que sem arquiteto e sem engenheiro não se faz o desenvolvimento. Mas que, antes de serem arquitetos e engenheiros, esses profissionais são cidadãos e precisam se preocupar com esse quadro: “Cidadania tem a ver com cidade”, disse ele. Bernasconi finalizou sua apresentação listando os cinco principais desafios para que o Brasil possa ser considerado um país desenvolvido: saúde, educação, segurança pública, infraestrutura e defesa nacional. E todas essas atividades exigem a participação da arquitetura e da engenharia.