Degraus a menos: acessibilidade em projetos de arquitetura e engenharia

O Brasil conta com uma série de leis e normas para eliminar barreiras e garantir a circulação de pessoas com necessidades especiais.

Arquitetos e engenheiros que atuam em qualquer cidade do país contam com uma série de leis e normas para garantir a acessibilidade em seus projetos, tanto em edificações como em infraestruturas urbanas. O tema já está presente na Constituição de 1988, mas o documento legal mais conhecido é o Decreto Lei 5.296/2004, que indica os locais que devem receber tratamentos de acessibilidade.

No entanto, a legislação mais completa e recente é a Lei 13.146 – Lei Brasileira de Inclusão, com pouco mais de um ano de vigência, mas que ainda depende de algumas regulamentações, explica a arquiteta Silvana Cambiaghi, cadeirante, mestre em acessibilidade e desenho universal e membro da Comissão Permanente de Acessibilidade da Prefeitura de São Paulo. A lei ordena às entidades de fiscalização profissional das atividades de Engenharia, de Arquitetura que exijam o atendimento às regras de acessibilidade a cada anotação de Responsabilidade Técnica. Ainda mais: o atendimento às regras de acessibilidade é obrigatório para a aprovação, licenciamento ou emissão de certificado de projeto executivo arquitetônico, urbanístico ou de instalações.

A Lei Brasileira da Inclusão está no topo da pirâmide desse conjunto de documentos, frisa Silvana: “Ela é a legislação mais completa, que tem maior força e deveria ser tomada pelas prefeituras como referência para as definições locais relativas à acessibilidade”.

Normas técnicas
Enquanto as leis estabelecem o que deve ser feito, “são as normas técnicas – em especial a NBR 9050 – que definem como cada detalhe de acessibilidade deve ser desenhado e construído para permitir a circulação segura e confortável das pessoas com deficiência”, completa Silvana.

A NBR 9050 foi publicada originalmente em 2004, mas a terceira revisão atualizada foi divulgada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em setembro de 2015. Segundo essa norma, acessibilidade é a “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida”.

A definição é fria, o que pode levar alguns profissionais a cometer erros graves em seus projetos, adverte o ex-secretário adjunto da Pessoa com Deficiência de São Paulo, Antonio Carlos (Tuca) Munhoz. Cadeirante e especialista no tema, ele considera que a acessibilidade ainda não foi incorporada como “valor social e humano” pelos técnicos e gestores públicos. “Toda a regulamentação para a adequação do ambiente construído às pessoas com deficiência atende muito bem aos aspectos técnicos, mas ainda é vista sobretudo como obrigação, como lei a ser cumprida, tal como a obrigatoriedade de que um prédio tenha um extintor de incêndio”, exemplifica Tuca Munhoz.

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Unidades do Sesc, como a localizada em Jundiaí (SP), primam pela acessibilidade nos diferentes espaços.

Silvana Cambiaghi entende que alguns engenheiros e arquitetos menos preparados simplesmente fazem um copy-cola da norma em seus projetos, sem considerar o contexto, o partido do projeto. “Certamente essas pessoas fazem isso com a melhor das boas intenções, mas a acessibilidade tem que ser pensada e incorporada desde o início, para crescer com o desenvolvimento do projeto, sem gerar ruídos”, pondera a especialista.

Em contraponto, Tuca Munhoz toma como exemplo seu próprio apartamento, no Centro de São Paulo, que foi construído nos anos 1950 mas conta com portas, corredores e elevadores com largura que lhe permitem circular com sua cadeira por todos os espaços, sair para a calçada e passear pelas ruas, quase sem limitações. Silvana também mora em um apartamento antigo, que não foi projetado para atender aos critérios atuais de acessibilidade. Mas a edificação tem corredores e banheiros amplos, portas largas – com mais de 70 cm. Tudo isso antes da vigência de qualquer lei ou norma sobre o tema.

Cultura de acessibilidade
Tuca Munhoz acredita que a sociedade avançou e começou a incorporar a acessibilidade como um valor para todos, mas ainda vê um longo caminho a ser trilhado para que todas as pessoas possam conviver livremente nas edificações ou nos espaços públicos.

Um bom exemplo de cultura de acessibilidade, em sua visão, vem do Sesc São Paulo: “Desde 30 anos atrás, as unidades têm sido pensadas e construídas de uma maneira não descolada de um conjunto de preocupações, desde a recepção e acolhimento às pessoas e a dinâmica das unidades. O resultado é um ambiente acolhedor, onde as ações técnicas quase passam despercebidas, em que todos podem conviver sem barreiras”, explica ele.

Exemplo contrário são os edifícios históricos da Secretaria da Justiça, no Páteo do Colégio, centro de São Paulo. Naqueles prédios, para cumprir a lei, rampas metálicas foram instaladas nas escadarias, mas de uma forma desconexa, grosseira, que desvaloriza a arquitetura dos edifícios. “Eles atenderam às normas e leis, mas pela nobreza do lugar  – trata-se do sítio histórico de fundação de São Paulo  – a arquitetura poderia ter ousado mais e criado algo que dialogasse com as construções republicanas e se fizesse ver claramente como uma intervenção contemporânea. Do jeito como ficou, acaba criando uma relevância negativa para a pessoa com deficiência”, explica Munhoz.

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Rampas na Secretaria da Justiça, em São Paulo: falta de conexão com a arquitetura histórica.

O próprio ativista, porém, destaca outra obra, o Centro Cultural Porto Seguro, no bairro paulistano de Campos Elíseos: “Trata-se de um local lindíssimo, inaugurado recentemente, onde a acessibilidade sob o aspecto técnico foi rigorosamente cumprida. Mas, apesar disso, não é acolhedora… é acaba sendo excludente”. Ele explica: para um cadeirante chegar ao auditório, ele tem que se destacar completamente do grupo, separar-se das outras pessoas.

Leis, regulamentos, normas e manuais
Com tantas camadas de leis federais, estaduais e municipais, mais as normas, alguns aspectos da acessibilidade se tornam confusos, o que exige a criação de manuais específicos. É o caso das calçadas, que têm uma definição de piso na norma NBR 9050, mas que podem ter também especificações municipais. Para orientar a população e os técnicos surgiram os manuais de calçadas, que não têm valor de lei, mas procuram reunir e organizar toda a legislação em vigor e interpretá-la segundo as condições locais em cada cidade, exemplifica Silvana Cambiaghi.

Outra norma importante citada por Silvana Cambiaghi é a NBR 16.537 – Acessibilidade  – Sinalização tátil no piso, texto de 2016 elaborado pela Comissão de Acessibilidade da ABNT. “Esta norma é bem recente e dá as diretrizes para a instalação de revestimentos podotáteis para orientação de pessoas com deficiência visual”, explica Silvana. Existe, ainda, uma série de normas específicas para ônibus urbanos, transporte aéreo, hidroviário e ferroviário, e há também algumas regulamentações municipais que detalham aspectos das normas, completa a arquiteta.

Normas técnicas

Principais NBRs relacionadas à acessibilidade em transportes, espaços públicos e na prestação de serviços.

NBR 16537 Acessibilidade – Sinalização tátil no piso – Diretrizes para elaboração de projetos e instalação
NBR 9050 Acessibilidade a Edificações Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos.
NBR ISO 9386-1 Plataforma de elevação motorizadas para pessoas com mobilidade reduzida – requisitos para segurança. Dimensões e operação funcional
NBR14022 Acessibilidade em veículos de características urbanas para o transporte coletivo de passageiro.
NBR26000 Diretrizes sobre responsabilidade social.
NBR 15655-1 Plataformas de elevação motorizadas para pessoas com mobilidade reduzida – Requisitos para segurança, dimensões e operação funcional. (Substituída pela Norma ISO 9386-1).
NBR 15599 Acessibilidade – Comunicação na Prestação de Serviços.
NBR NM 313 Elevadores de passageiros – Requisitos de segurança para construção e instalação – Requisitos particulares para a acessibilidade das pessoas, incluindo pessoas com deficiência.
NBR 15450 Acessibilidade de passageiro no sistema de transporte aquaviário.
NBR 15320 Acessibilidade à pessoa com deficiência no transporte rodoviário.
NBR 15250 Acessibilidade em caixa de auto-atendimento bancário.
NBR 14021 Transporte – Acessibilidade no sistema de trem urbano ou metropolitano.
NBR16001 Responsabilidade social – Sistema da gestão – Requisitos.
NBR14273 Acessibilidade a Pessoa com  Deficiência no Transporte Aéreo Comercial.
NBR14020 Acessibilidade a Pessoa com Deficiência – Trem de Longo Percurso.
Fonte: ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas