Especialistas criticam MP 700/15

Proposta permite que empresas contratadas sob o RDC para executar obras de engenharia possam desapropriar imóveis

Especialistas que participaram de audiência pública da comissão mista  que analisa a Medida Provisória (MP) 700/15, criticaram nesta terça-feira (12 de abril) o texto editado pelo governo.

A MP autorizou empresas e concessionários privados a promover ações de desapropriação de áreas por utilidade pública. Antes da edição da medida, só os governos — municipal, estadual ou federal — poderiam desapropriar. A MP altera o Decreto-lei 3.365/41, que regulamenta as desapropriações no País.

De acordo com o representante do Fórum Nacional de Reforma Urbana, Marcelo Edmundo, a medida faz parte da privatização e da mercantilização das cidades, no qual o interesse maior é o lucro. “O dia a dia da cidade e os seres humanos são colocados em escanteio para aumentar os lucros cada vez mais. Fica claro, na medida, a possibilidade de as empreiteiras fazerem o que querem. Ela entrega na mão dos especuladores, das grandes construtoras, o direito de desapropriar”, lamentou.

Marcelo ressaltou que a medida foi “empurrada” pelo governo sem nenhum debate mais aprofundado. Segundo ele, qualquer projeto que intervenha na construção do espaço público não deve ser feito dentro de gabinetes, mas escutando a população previamente.

Apropriação
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) Raquel Rolnik disse que a MP, da forma como está redigida, legaliza a apropriação dos recursos públicos pelo privado.

Raquel Rolnik explicou que a medida provisória autoriza o privado a desapropriar uma área maior do que a estritamente necessária para a obra pública e a explorar comercialmente de acordo com seu único interesse. A professora assinalou ainda que, além disso, se após a desapropriação, por alguma razão, o governo desistir de fazer a obra, o privado poderá explorar a área do jeito que quiser, por exemplo, colocando os terrenos em fundos de investimento financeiro, especulando e se apropriando desses ativos. “Com esta medida provisória a gente diz: ‘Queridas empreiteiras, querem terras públicas para explorar comercialmente sem nenhum tipo de constrangimento? Então toma’. Estamos fazendo avançar aquilo que tem nos indignado há anos”, protestou.

Raquel Rolnik também ressaltou que a MP não deixa claro quem será responsável pelos reassentamentos e qual a natureza dos reassentamentos. E não deixa nenhum espaço para que os atingidos pela desapropriação participem dessa definição do seu destino.

RDC
A grande mudança da proposta é que ela permite que empresas contratadas para executar obras de engenharia sob o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) possam desapropriar imóveis. Esse regulamento de contratações foi criado em 2011, com a intenção acelerar as obras das Copas das Confederações e do Mundo e dos Jogos Olímpicos do Rio.

Nesse regime, a empresa vencedora da licitação da obra oferece serviço completo: desde o projeto básico até a entrega da construção.

Mas na visão da secretária-geral do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Fabiana Izaga, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas não foi bem sucedido. “O que foi feito como solução na verdade criou outro problema. Porque ele se estendeu depois a praticamente todas as obras públicas do Brasil e essa ausência do projeto completo – porque você pode licitar com o projeto básico – permite a alteração dos custos durante o processo. E isso fica na mão das próprias construtoras, que, portanto, para o seu interesse, acabam mexendo no próprio projeto e alterando esses custos. Então é totalmente contrário a qualquer interesse público.”

Contratação Integrada
Fabiana Izaga também manifestou as preocupações da entidade em relação à medida provisória. Segundo Fabiana, a MP possibilita às empreiteiras a realização de desapropriações de utilidade pública para a execução de empreendimentos com o uso da “contratação integrada”, instrumento que dispensa o projeto nas licitações de obras públicas.

Fabiana leu ofício do presidente da IAB, Sérgio Magalhães, no qual afirma que a licitação sem projeto completo resulta em “obra com custo sem limite, prazo ampliado e qualidade baixa — demonstrado pelos preços dos estádios da Copa, pelas obras paradas do PAC, pela Refinaria Abreu e Lima, com custo dez vezes maior e muitas outras”.

Sérgio ainda afirmou no ofício que, no âmbito urbano, a medida trará “consequências políticas e sociais graves, visto o direito das populações atingíveis, pois a MP é potencialmente dirigida às favelas e áreas pobres bem situadas no contexto da cidade”. “De fato, o governo alienará o que não lhe pertence. A cidade é da cidadania, não é do governo”, disse o presidente da IAB.

Fonte: Agência Câmara de Notícias