Combater as pragas por um Brasil melhor

É preciso aperfeiçoar os métodos de contratação de obras para deter a corrupção, afirma presidente do Sinaenco

O Brasil tem sofrido com duas pragas que provocam efeitos devastadores, embora de naturezas diversas, na população brasileira. A primeira delas é a corrupção em obras públicas, cuja amplitude foi revelada pela Operação Lava-Jato a partir de 2014. De descoberta quase concomitante à época em que os malfeitos foram trazidos à luz pela Lava-Jato temos as doenças epidêmicas, cujo vetor é o mosquito Aedes Aegypti, como o zika vírus, a chikungunya e a dengue.

Ambas as pragas têm características similares: seus propagadores são encontrados nos mais diversos recantos do país e sua erradicação não é tarefa fácil. Para as doenças transmitidas pelo mosquito, infelizmente a ciência ainda não encontrou uma vacina, um antídoto eficaz. Já para a praga da corrupção em obras públicas, a vacina existe e é conhecida há bastante tempo: o projeto executivo, completo, de arquitetura e de engenharia.

Essa importância do projeto executivo foi reconhecida no documento “Pedido de desculpas e manifesto por um Brasil Melhor”, publicado pela construtora Andrade Gutierrez nos principais jornais brasileiros em 9 de maio, após acordo de leniência homologado pelo juiz Sergio Moro. Nele, a construtora lista oito medidas para moralizar a contratação e a execução de obras públicas, entre elas, a da obrigatoriedade de gestores públicos terem em mãos o estudo de viabilidade técnico-econômica anterior ao lançamento do edital de concorrência, permitindo eleger as obras que mais contribuirão para o desenvolvimento do país; a obrigatoriedade de os gestores públicos terem o projeto executivo antes da licitação que definirá a construtora que executará a obra; e a “aferição dos serviços executados e de sua qualidade, realizados por empresa especializada, evitando-se a subjetividade e interpretações tendenciosas”.

O projeto executivo completo de uma obra é comparado a uma verdadeira “vacina anticorrupção”

Essas três proposições são fundamentais para termos obras, em primeiro lugar, necessárias e importantes ao desenvolvimento do país, algo que pode ser obtido com investimento muito pequeno, de 0,3% do custo global de um empreendimento público em estudos de viabilidade técnico-econômica de uma obra. Esses estudos, quando bem contratados e desenvolvidos, ou seja, pela melhor proposta técnica, são instrumentos poderosos do planejamento público verdadeiro e consistente, algo a que o país se desabituou desde os períodos da inflação elevadíssima.

Se o empreendimento passou pelo crivo dos bons estudos de viabilidade técnico-econômica, os gestores governamentais devem incluí-lo no rol das obras prioritárias e começar a licitação do projeto executivo, completo. Nessa licitação, a proposta vencedora deve ser aquela que apresenta a melhor solução técnico-econômica e não a de menor preço. O porquê disso não exige raciocínios complexos: o projeto executivo, completo, por suas características, coloca a obra nas mãos do contratante. Esse projeto, que representa em média 5% do custo global de uma obra, traz economias diretas e indiretas enormes aos governos e à sociedade.

O projeto executivo é desenvolvido com base em estudos de campo, topográficos, geotécnicos e geofísicos, sociais e ambientais, entre outros. Ao ser finalizado, ele fornece ao contratante a definição dos sistemas construtivos a serem utilizados, a qualificação e os quantitativos de materiais e serviços necessários, o que resulta no orçamento e no cronograma precisos da obra. O projeto executivo completo também traz as soluções para mitigar os impactos ambientais e sociais decorrentes da obra, com informações que facilitam aos técnicos dos órgãos responsáveis pelos licenciamentos o dimensionamento das compensações ambientais e sociais necessárias para a emissão das licenças indispensáveis à execução da obra.

Com esses elementos, os gestores podem realizar sem riscos a licitação da obra, sabendo o que estão contratando, o prazo de execução e os custos da obra, com a certeza de que não haverá paralisações por problemas de projeto ou por falta de licenças ambientais. A construtora sabe o que precisará entregar e deverá apresentar proposta técnica e financeiramente consistente, porque deduz que não haverá pretextos para solicitar aditivos contratuais, que muitas vezes encarecem o orçamento inicial e são brechas para o superfaturamento de obras. Por essas características, o projeto executivo completo é comparado a uma verdadeira “vacina anticorrupção”.

Se o poder público conta com uma obra cuja licitação da construção foi feita com base em um projeto executivo, completo, contratado pela melhor solução técnico-econômica e com o gerenciamento e a fiscalização e o da construção da obra feitos por empresas independentes da construtora e da autora do projeto executivo, ele não terá problemas sérios.

Por isso, o projeto executivo, o gerenciamento e a fiscalização, por serem serviços de natureza eminentemente intelectual, nunca devem ser contratados por menor preço ou pregão ou, ainda, pelo Regime Diferenciado de Contratação (RDC), modalidade contratação integrada, pela qual a construtora vence a licitação com base em um anteprojeto, etapa anterior à do projeto básico, que por sua vez é anterior à do projeto executivo. Assim, o resultado será traduzido em obras de qualidade, duráveis, com baixos custos de manutenção e que devolvem com juros à sociedade o que foi investido na sua construção.

Por isso, precisamos aperfeiçoar os métodos de contratação, buscando inspiração no que fazem os países desenvolvidos, que investem em estudos de viabilidade técnico-econômica e em projetos executivos completos, antes de iniciar a construção de qualquer obra. Não por acaso, esses países ostentam índices de qualidade elevada em suas obras e com baixíssimos índices de corrupção, conforme atestam pesquisas de instituições independentes. Para combatermos as pragas, precisamos usar os remédios corretos, com base nos diagnósticos precisos, por um Brasil realmente melhor.

José Roberto Bernasconi é presidente do Sinaenco (Sindicato da Arquitetura e da Engenharia).