Exigência de BIM nas compras públicas será feita de forma gradual e escalonada

Confira a entrevista com Igor Calvet, Secretário de Desenvolvimento e Competitividade Industrial, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). O Ministério exerce a presidência do Comitê Gestor da Estratégia BIM-BR, oficializada pelo Decreto federal 9.377/2018.

A ideia de Modelagem da Informação da Construção (BIM) não é relativamente nova para os profissionais brasileiros da construção, mas de difícil explicação para o cidadão leigo no assunto. Há alguma analogia capaz de explicar às pessoas o que é o BIM?

Imagine um jogo de vídeo game jogado em rede, no qual há vários jogadores de uma mesma equipe, cada um com funções, habilidades e características específicas. Todos eles, apesar de não estarem lado a lado, numa mesma sala, conseguem ver todo o ambiente do jogo e o que cada um está fazendo naquele exato momento, podendo trocar informações simultaneamente. Como todo o jogo, a equipe trabalha para atingir um objetivo em comum.

O BIM é isso, é uma forma de trabalhar colaborativamente, compartilhando diversos recursos e soluções – em tempo real, entre os mais diversos atores do ciclo de vida de uma construção que colaboram entre si para atingir o objetivo final, a obra pronta.

O Decreto 9.377/2018 estabeleceu a Estratégia para Disseminação do BIM no Brasil. Quais são os materiais que já estão disponíveis para orientar projetistas, construtores, empreendedores e gestores públicos, além de professores e estudantes?

Já há uma série de materiais disponíveis, entre os quais destacamos os Guias BIM, a publicação da Estratégia BIM BR, vídeos institucionais, entre outros. Todo esse material pode ser encontrado nos sites do Ministério e da ABDI. Logo estarão disponíveis uma Landing Page e a Plataforma BIM, sites que congregarão tudo o que há disponível sobre BIM em termos oficiais. Inclusive a Biblioteca Nacional BIM.

O Brasil estabeleceu a obrigatoriedade do BIM a partir de 2021 para as obras públicas e alguns estados já avançaram e estabeleceram metas para 2019, como é o caso de Santa Catarina. Não existe o risco de empresas de projeto investirem em treinamento e em equipamentos – que são caros – e depois o governo adiar a implantação do BIM na construção?

A exigência do BIM nas compras públicas será realizada de forma gradual e escalonada. Isto para que o mercado se prepare para esta grande demanda que está chegando. Este programa abarca projetos pilotos na esfera federal. Contudo, percebemos grande movimentação do setor público nas mais diversas esferas para a adoção do BIM. Muitas empresas que fazem obras para o setor público já se utilizam do BIM sem que houvesse uma exigência para tanto, e muitas vezes sem o conhecimento dos órgãos contratantes. O interessante é que pouco tempo atrás éramos perguntados se o governo adotaria BIM em suas obras, hoje a pergunta é em termos de “quando”.

Outra questão é que o mercado privado de BIM vem crescendo bastante. Eu diria que as empresas devem começar a investir em BIM “ontem”, independente de prazos governamentais. É uma questão de posicionamento estratégico de mercado, não só de melhores resultados imediatos. Um dos maiores especialistas em BIM no Brasil nos relatou que, apesar das empresas inicialmente reclamarem da necessidade de investimento em capacitação, em softwares e equipamentos, todas, sem exceção, depois de um tempo, reconheceram os benefícios alcançados.

Quais serão as fontes de financiamento para agilizar a adequação da cadeia produtiva da construção ao BIM?

Há um grande esforço por parte do Governo Federal em propiciar um ambiente de negócios que incentive o investimento em BIM. Para tanto uma agenda de ações está sendo implementada. Como exemplo, cito a adaptação de linhas de financiamento às especificidades do mercado BIM.

No Brasil, que tem apenas cerca de 5% das empresas de construção dotadas da tecnologia BIM, quais seriam os maiores desafios para a incorporação do sistema ao dia a dia da construção? Formação de profissionais, construção de bibliotecas, legislação ou equipamentos para operar o sistema?

O maior desafio para o BIM, assim como para qualquer outro processo inovador, é o desenvolvimento profissional. Fazer com que todas as pessoas envolvidas no processo tenham em mente qual é seu papel, como o BIM funciona e quais são seus benefícios, além de saber operar com as ferramentas e softwares disponíveis, são fatores que fazem a diferença para o uso dessa inovação.

Quais setores da cadeia da construção estão mais avançados na implantação do conceito?

Sentimos uma enorme movimentação de toda a cadeia produtiva. É louvável o esforço deste setor em tão pouco tempo. A indústria de material de construção, as construtoras, os profissionais do setor, as universidades, entre outros… enfim, há atualmente grande sinergia neste sentido.

O mercado brasileiro de construção trabalha com uma enorme variedade de produtos e serviços, muitos deles ainda não padronizados por normas técnicas nacionais. Como se está trabalhando para organizar essa enorme variação de sistemas construtivos e incluí-los em um arquivo BIM brasileiro? Aliás, é possível pensar em tal arquivo nacional de objetos BIM?

Estamos trabalhando no sentido de desenvolver normas técnicas, guias e protocolos específicos para a adoção do BIM. O desenvolvimento e a publicação de documentos e referências técnicas e normativas são importantes para garantir que os processos BIM possam ser desenvolvidos de forma padronizada, precisa e harmônica. Quanto à possibilidade de se ter um arquivo nacional, uma biblioteca nacional de objetos BIM, sem dúvida é possível que haja. Em breve lançaremos a Biblioteca Nacional BIM, que contará com a colaboração da indústria nacional, responsável por submeter objetos BIM proprietários para upload, formando, no futuro próximo um estoque robusto de objetos.

O Chile é considerado um caso de sucesso na implantação do BIM no setor da construção. No entanto, de forma geral, o país utiliza muito mais sistemas construtivos industrializados, como painéis e estruturas pré-fabricadas, semelhantes aos utilizados na América do Norte, em especial a chamada construção seca. No caso brasileiro, em que ainda é comum a construção mais “artesanal” em algumas regiões, essa implantação não tenderia a ser mais difícil e demorada?

Haverá sempre disparidades num país diverso como o nosso. A variedade e complexidade na construção civil brasileira é enorme. A finalidade da Estratégia BIM BR é disseminar e incentivar o uso do BIM pelo país todo. Certamente especificidades de mercado farão com que essa disseminação seja mais rápida ou não. Mas a cada dia nos surpreendemos com a velocidade com que o BIM vem se espalhando pelo Brasil. Hoje, não tenho dúvidas de que nossas metas serão superadas. Ademais, a própria disseminação do BIM no País incentivará uma maior industrialização da construção.

Foto: Washington Costa/MDIC