Arquitetura cidadã e transformações urbanas não solicitadas

Sinaenco/PE, em parceria com a Prefeitura do Recife, lançará o Projeto Intervenções Urbanas não Solicitadas. A ideia é a proposição de uma mudança urbana, demandada por moradores e realizada por arquitetos e engenheiros.

Por: Luiz Antônio Neves

A terminologia cidadania pode ser interpretada como o exercício pleno dos direitos ou ainda como o comportamento socialmente responsável. A arquitetura é uma prática na qual o arquiteto serve a um terceiro (o cliente), através de uma avença contratual. Como a arquitetura tem em sua premissa vitruviana o atendimento às necessidades humanas, através da organização de espaços, com intenção estética e solidez estrutural, uma arquitetura cidadã pode assim ser considerada, se ultrapassar esta dimensão primordial e encaixar na da sustentabilidade de forma prioritária. Dessa forma, tende a garantir o direito das pessoas por ela impactada e paralelamente cumprir os requisitos ambientais e o equilíbrio econômico para sua materialização e operação.

O movimento da arquitetura não solicitada evidencia a importância de se alcançar um papel mais ativo dos arquitetos na sociedade e de se promover troca de experiências para lidar com os desafios e os problemas atuais das cidades.

Qualquer iniciativa arquitetônica parte de um programa de necessidades. Os acordos entre o dono da obra e o arquiteto, principalmente nas relações privadas é que definem o partido arquitetônico, e o caráter mais ou menos cidadão da arquitetura. Os contratos públicos, em sua essência, têm como premissa uma arquitetura cidadã. Partindo do pressuposto de que a legislação e os requisitos de licenciamento de empreendimentos já preservam os direitos das partes interessadas, qualquer empreendimento que cumpra os requisitos legais, como por exemplo, a Norma de Desempenho de Edificações de 2013 (NBR 1575 ABNT), será cidadão.

Temas como sustentabilidade, acessibilidade e mobilidade sempre estão associados à arquitetura e urbanismo, como a dimensão para a solução de suas demandas. A citada Norma de Desempenho agrega quesitos voltados à sustentabilidade, principalmente nas dimensões social e ambiental, assim como as Certificações LEED e Acqua, que tratam de certificação sustentável para edificações. A mobilidade é um tema bem mais amplo e complexo, onde aspectos do urbanismo são transversais às políticas públicas de transporte, viabilidade de modais e o arranjo socioeconômico, representando variáveis na sua equação. A acessibilidade, também regulamentada em Norma, assim como o Desenho Universal, é requisito de uma boa arquitetura.

Globalmente, o trabalho de diversos profissionais traz a marca da arquitetura cidadã. O Prêmio Pritzker, considerado o Nobel da Arquitetura, premiou em 2016 o chileno Alejandro Aravena, que apesar de jovem (48 anos) é detentor de um grande acervo de projetos privados e públicos. O grande destaque que levou à sua escolha foi a produção de mais de 2,5 mil unidades habitacionais de interesse social, com impacto nas políticas públicas e nas regras de mercado. A citação do júri, na ementa da premiação, afirma que “… o papel do arquiteto está agora sendo desfiado a servir as necessidades sociais e humanitárias maiores”. Entre várias outras iniciativas no Brasil de arquitetura cidadã, pode-se destacar projetos como o Morar Carioca e o Programa Terra e Habitação, este últi mo considerado a melhor experiência do mundo, neste campo, em 2009-10 pela ONU HABITAT.

Tendo essas e outras experiências como referência, o Sinaenco, por meio da regional de Pernambuco, em parceria com a Prefeitura do Recife e o apoio do CAU e CREA PE, lançará em breve o Projeto Intervenções Urbanas Não Solicitadas – Recife. A ideia é a proposição de uma mudança urbana, demandada por moradores e realizada por arquitetos e engenheiros. Abrangerá três territórios temáticos: mobilidade, espaço público e vazios urbanos, tendo como objetivo principal a melhoria da qualidade de vida. Serão priorizadas ações de urbanismo em pequena escala e realizadas em âmbito local. Estas serão desenvolvidas diretamente pelos indivíduos ligados ao espaço a ser modificado como produtos de sua cultura e meio ambiente. Espera-se que as propostas impactem na infraestrutura física e emocional, bem-estar, educação, juntamente com a reformulação do ambiente construído.

O conceito de arquitetura não solicitada foi explorado pela primeira vez no estúdio de design dirigido por Ole Bouman, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 2007. Atualmente alguns escritórios se dedicam ao assunto, como o Studio For Unsolicited Architecture do NAI (Netherlands Architecture Institute). O movimento evidencia a importância de se alcançar um papel mais ativo dos arquitetos na sociedade e de se promover troca de experiências para lidar com os desafios e os problemas atuais das cidades.

É a arquitetura – e seus profissionais – ampliando o seu alcance social, dialogando com a cidade e suas necessidades mais prementes. Ou seja, é a arquitetura em sua prática cidadã.


Luiz Antônio Neves é Vice-Presidente de Arquitetura do Sinaenco