Por um olhar estratégico e integrador para a engenharia brasileira
Por Eduardo Salgado Viegas*
Na última década, vimos os investimentos em infraestrutura no Brasil caírem consideravelmente devido aos problemas fiscais do país. Conforme dados levantados pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), em 2020, os investimentos em energia, saneamento e transportes/logística ficou em R$ 93 bilhões, correspondendo a 1,25% do PIB – abaixo, portanto, dos 3,55% do PIB de investimentos necessários nos três segmentos.
Nos últimos anos, os governos federal, estaduais e até municipais concentraram esforços para atrair investimentos da iniciativa privada nesses segmentos. Agentes como PPI, BNDES e outros conseguiram, dentro dos seus limites, estruturar projetos de concessões e PPPs com uma melhor matriz de riscos, viabilizando um número razoável de projetos contratados. Há alguns anos, o setor privado já ultrapassou o setor público em volume de investimentos.
Os novos marcos regulatórios no saneamento, gás e ferrovias ajudaram a melhorar o ambiente para atração de investidores privados. Nesse cenário de estruturação de concessões e PPPs, os engenheiros ficaram em segundo plano, dando espaço a advogados e economistas. Isso porque as questões regulatórias e contratuais, assim como modalidades de financiamento, se tornaram os principais focos de preocupação de investidores. A maioria dos eventos de infraestrutura no Brasil tem como temática principal as questões jurídicas e financeiras – nos últimos anos, houve um crescimento considerável de escritórios de advocacia especializados em infraestrutura e boutiques de assessoria financeira para modelagens de financiamento.
Os advogados e financistas são cruciais para viabilizar projetos. Mas não podem ofuscar a importância do que vem depois da assinatura de uma concessão: a implantação, que ocorre por meio das etapas de desenvolvimento de engenharia conceitual, básica e executiva e de execução das obras. Para estes desafios, é imprescindível contarmos com boas empresas de consultoria de engenharia e construtoras, além de outras especialidades.
Esses segmentos, infelizmente, ficaram em segundo plano nos últimos anos. Muitos empresários sofreram com a redução de projetos. A cadeia de fornecedores, que no Brasil é bastante fragmentada, sofreu com a redução de investimentos desde 2013. O protagonismo das empresas de engenharia e construção foi reduzido e, com isso, houve também perda de mão de obra qualificada. Muitas empresas quebraram no período, mas agora há um cenário favorável para uma retomada. Há projetos no Brasil, mas o framework de implantação, desde a contratação da engenharia, pode ser bastante aperfeiçoado.
Mas tanto na contratação pública quanto na contratação privada há dois fantasmas que sempre estão rondando o setor: política predatória de preços e informalidade. No lado privado, as concessionárias têm a meta de implantar os seus projetos dentro do investimento aprovado pelos acionistas e financiadores, o que é compreensível e plenamente justificável. No entanto, essa meta acaba virando o próprio inimigo, pois á o equívoco de economizar na engenharia.
Um erro comum é a primarização da engenharia dentro da concessionária, fragmentando a contratação de pequenos projetos, o que acaba não formando empresas de engenharia no Brasil. Outro erro está nas concorrências pelo critério de menor preço, que forçam muitos empresários a contratar engenheiros por salários abaixo do piso, ou a pejotização da engenharia.
Um levantamento feito pelo Sinaenco em 2016 mostrava que, no Brasil, tínhamos mais de 35 mil CNPJs com Cnae de engenharia de projetos, gerenciamento e supervisão, mas apenas cerca de 200 empresas faturavam mais de R$ 10 milhões anuais. Ou seja, menos de 1% das empresas consegue manter equipe própria qualificada. A maioria são profissionais PJ que prestam serviços por projeto e não formam uma inteligência de engenharia para se perpetuar no Brasil.
No lado público, o cenário é pior. A contratação por pregão se tornou um padrão, com preços impraticáveis para empresas que buscam ter quadro próprio. Espera-se que a nova Lei de Licitações, a 14.133, obrigatória a partir de abril de 2023, reduza esse problema, pois não será mais permitida a contratação de engenharia por pregão. Teremos um cenário desafiador pela frente se investidores públicos e privados não olharem para a engenharia como um parceiro necessário para a entrega dos projetos. Caso não haja entendimento, as dificuldades serão imensas e diversos projetos não se viabilizarão. São necessárias políticas públicas para atrair a formação de engenheiros no Brasil, além de estímulos equilibrados para empresas de engenharia e construção. Como a desoneração da folha, um benefício que somente construtoras detêm, mas empresas de engenharia de projetos não, quando são elas as que mais precisam.
Toda a cadeia brasileira de serviços de engenharia e construção precisa de um olhar estratégico e integrador. Caso contrário, continuaremos tendo uma fragmentação e informalidade que impedirão a formação de inteligência. Há mais advogados e administradores de empresas do que engenheiros no Brasil. Deveríamos ter o contrário se quisermos atingir o crescimento esperado. Fortalecer a engenharia é a solução.
*Eduardo Salgado Viegas é presidente nacional do Sinaenco e membro do conselho consultivo da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).