Transformação urbana a partir dos bons exemplos
Campanha VivaCidade, do Sinaenco, irá premiar boas práticas que levam à melhoria da qualidade de vida urbana
A importância da acessibilidade em todos os setores da infraestrutura brasileira, nos espaços de uso coletivo, públicos e privados, e a aprovação da Lei 13.146/2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que instituiu as exigências de espaços e serviços acessíveis em diversas áreas e que entrou em vigor em janeiro de 2016, coincidindo com o ano de realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, são analisados pelo presidente do Sinaenco, José Roberto Bernasconi. Para ele, é fundamental dotar as cidades brasileiras de infraestrutura sustentável e acessível. “O grau de civilização de uma sociedade é medido também pela forma como ela trata as pessoas com deficiência. ”
Como o senhor avalia a situação atual do Brasil?
Vivemos tempos tumultuados no Brasil, com problemas na política e na economia. Porém, se a sociedade estiver consciente, ela se mobiliza e pode provocar mudanças positivas. Um exemplo dessa capacidade está nas mobilizações espontâneas que aconteceram em junho de 2013 e tiveram enorme repercussão em todo o país. É importante lembrar que essas mobilizações de 2013 tiveram início devido à profunda insatisfação da sociedade com o transporte público e o aumento das tarifas de ônibus e com a qualidade dos serviços públicos oferecidos em diversas cidades e estados brasileiros. É importante destacar que mobilidade significa também acessibilidade, num sentido mais geral: de oferecer equipamentos e espaços acessíveis e de permitir o acesso de amplos setores da população a serviços essenciais e importantes, como a educação, a saúde, ao trabalho e ao lazer, entre outros.
E como a campanha VivaCidade, idealizada e desenvolvida pelo Sinaenco, se insere nesse quadro?
Diante dessa realidade e tendo como mote a realização dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, jogos que terão o suporte de cerca de 100 outras cidades, que hospedarão delegações dos diversos países que participarão da Olimpíada, decidimos no Sinaenco, em parceria com entidades e instituições, realizar uma campanha permanente, que batizamos de VivaCidade. Essa campanha destina-se, por intermédio da captação de projetos e de obras inspiradoras à melhoria da infraestrutura de nossas principais urbes, em todo o país, a discutir e a debater, com entidades, gestores públicos e com a participação da sociedade, o papel dos bons exemplos, das boas práticas, para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. A ideia central é de que bons exemplos – que existem, em maior ou menor grau, em todo o país – devem ser utilizados como referência e motivação a todos, servindo como contraponto e potencial solução para a resolução dos inúmeros problemas em diversas áreas dos nossos municípios. O projeto VivaCidade, assim, se propõe a pesquisar e a premiar esses bons exemplos, colaborando para sua ampla divulgação, por intermédio das mídias parceiras e geral.
Essa campanha foi definida a partir de uma constatação básica e já conhecida: a vida das pessoas acontece na cidade. E é nelas onde os cidadãos moram, se locomovem ao trabalho, em busca dos serviços públicos, ao estudo, ao lazer e às compras, entre outras atividades, sejam elas metrópoles ou pequenos municípios. Os problemas, que são enormes e também conhecidos, vão desde a dificuldade na mobilidade urbana, à falta de espaços públicos adequados, de calçadas e espaços públicos e privados acessíveis, entre diversas outros, que impedem, principalmente às pessoas com algum tipo de deficiência, de ter acesso ao direito constitucional de ir e vir, à saúde e à educação, entre outros.
Qual a sua avaliação sobre a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que entrou em vigor em janeiro de 2016?
Com a edição da Lei 13.146/2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), cuja observância tornou-se obrigatória a partir de 6 de janeiro, a acessibilidade passou a ser uma questão relevante da atualidade no Brasil. E a edição dessa lei tornou-se ainda mais importante por sua data de entrada em vigor coincidir com o ano de realização dos Jogos Olímpicos 2016. Nosso país tem mais de 40 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. E é importante lembrar que, com o progressivo aumento da perspectiva de anos de vida para todos os brasileiros, teremos cada vez mais pessoas com algum tipo de deficiência, de limitação, também em função da idade avançada. Por isso, é também cada vez mais premente a necessidade de dotar as cidades brasileiras de infraestrutura inclusiva, que contemple esse enorme contingente populacional.
E como essa lei e a necessidade de contemplar as necessidades das pessoas com deficiência impactam no projeto de arquitetura e de engenharia?
Impactam bastante. Com a entrada em vigor da lei, os projetos de arquitetura e de engenharia devem observar os preceitos do denominado Desenho Universal, também conhecido como arquitetura inclusiva. Essa lei institui, entre outras obrigações, a elevação do percentual de banheiros acessíveis, por exemplo, de 3% para 5%, com reflexos em prédios comerciais, de hotelaria, hospitalares etc. E o mesmo deve ocorrer em empreendimentos habitacionais de uso multifamiliar, assim como toda e qualquer construção, reforma, ampliação ou mudança de uso de edificações abertas ao público, de uso público ou privadas de uso coletivo deverão ser executadas de modo a serem acessíveis. Essa lei é fundamental para garantir a acessibilidade em todos os equipamentos, públicos e privados, de uso coletivo. E a maioria das cidades brasileiras ainda não está preparada para atender às exigências dessa nova lei. Porém, há municípios brasileiros, dos mais diversos portes, que já estão desenvolvendo programas públicos relacionados à acessibilidade em diversas áreas, como o transporte público, conjuntos habitacionais, prédios públicos, praças, calçadas e equipamentos de lazer, entre outros. Essas iniciativas devem ser destacadas e difundidas, até para servir de inspiração a outras cidades. É o que buscamos fazer com o programa VivaCidade.
Como os Jogos Olímpicos de 2016 podem ajudar a impulsionar a melhoria da acessibilidade nas cidades brasileiras?
Pela enorme relevância e audiência mundial que os Jogos Olímpicos têm, eles certamente poderão se constituir num poderoso efeito multiplicador dos conceitos e preceitos da acessibilidade em todo o país e até internacionalmente. O Brasil vem conquistando recordes memoráveis na conquista de medalhas nos Jogos Paralímpicos, como aconteceu nos Jogos Parapanamericanos, realizados em agosto último em Toronto, Canadá, quando a delegação brasileira conquistou 257 medalhas, das quais 109 de ouro, 74 de prata e outras 74 de bronze. Trata-se do melhor rendimento do país em toda a história do evento. Essa conquista soma-se a outras, anteriores, nas quais os atletas paralímpicos brasileiros tiveram papel destacado. Evidentemente, a realização dos Jogos Paralímpicos 2016, no Rio de Janeiro, serão também uma oportunidade para discutir qual será o legado dos Jogos Olímpicos para o país e às cidades brasileiras. E esse é também um grande mote para estimular as cidades, seus administradores e habitantes, a compreenderem a importância da acessibilidade para a melhoria da qualidade de vida de todos. É importante destacar que uma das medidas do grau de civilização de uma sociedade é a forma como ela trata seus deficientes. Acessibilidade é um conceito fundamental. E acessibilidade significa também mobilidade, que permite o acesso aos serviços públicos, especialmente às camadas mais carentes da nossa sociedade. Por isso, uma sociedade mais justa é também uma sociedade mais acessível, em todos os sentidos, permitindo a integração e a fruição dos espaços e serviços públicos a todos, em especial, àqueles que mais precisam.