Belo Horizonte, 119 anos: os desafios da capital mineira na visão de Sérgio Myssior, do Sinaenco/MG

Arquiteto Sérgio Myssior, diretor de Sustentabilidade do Sinaenco/MG, fala sobre os desafios da capital mineira, que completa 119 anos neste 12 dezembro.

Uma cidade com menor desigualdade social em todos os aspectos urbanísticos, onde a população se sinta atendida, acolhida e representada. O desejo pode até parecer ousado, mas, para o arquiteto Sérgio Myssior, ousadia é a palavra de ordem do momento para Belo Horizonte. Aos 119 anos, completados hoje, a capital já está com um modelo de desenvolvimento saturado e precisa de mudanças.

O urbanista defende que melhorias são possíveis, mesmo em período de crise financeira. “Nesse tipo de situação é primordial que haja criatividade, já que as opções são diversas.” Myssior, que já trabalhou na elaboração de planos diretores para cidades de quatro estados brasileiros, aponta quais são as alternativas, algumas delas já em discussão na Câmara Municipal de BH.   Morador

da capital mineira desde o nascimento, há 45 anos, o arquiteto espera que o Executivo municipal, que ganha um novo chefe em menos de 20 dias, tenha coragem para fazer as escolhas certas, que passam pela priorização de questões relacionadas à sustentabilidade, transporte não motorizado, habitação de interesse social e da diversidade de uso e ocupação do espaço.

Confira a seguir a entrevista completa.

Após 119 anos, em que patamar está Belo Horizonte em comparação ao projeto pensado para a cidade na época?

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Belo Horizonte nasceu sob um ideal progressista, só que, com o tempo, rapidamente ultrapassou as suas fronteiras.

Esse transbordamento da cidade não foi acompanhado de um devido planejamento, então ela cresceu a qualquer custo. Ao invés de adotar um modelo de desenvolvimento que levasse em conta a questão do planejamento, do ordenamento, da gestão, ela se desenvolveu de uma forma mais orgânica e transbordou para além dos seus limites inicialmente planejados. Tanto que hoje, quando a gente pensa em Belo Horizonte, temos que considerar sempre o contexto metropolitano, porque os municípios encontram na capital ainda o principal destino e o principal núcleo para as oportunidades de trabalho, de saúde, de cultura e de educação.

Quais as consequências desse transbordamento?

Isso acaba tendo como uma das consequências esse grave problema da mobilidade urbana. As pessoas acabam destinando grande parte da jornada de trabalho nesse movimento chamado pendular, de casa/trabalho. No nosso cotidiano, a gente percebe também que nós temos uma cidade pouco inclusiva. Somente as pessoas com maior renda têm acesso às áreas mais privilegiadas e com melhor infraestrutura, e as pessoas que têm menor renda estão cada vez mais distantes das oportunidades e, por sua vez, de Belo Horizonte.

 Há impactos ainda na questão da drenagem?

A gente está em um período de chuvas e tem esse problema recorrente das inundações. E elas acabam sendo consequência dessa fragilidade também no planejamento, uso e ocupação do solo. Transformamos os nossos rios em avenidas sanitárias, e, com isso, tiramos a capacidade da mata ciliar de conter o transbordamento do rio em período de cheia. Então, o primeiro passo é focar nessas áreas que ainda não estão canalizadas e revegetar, recuperar. É muito mais fácil trabalhar esses locais para evitar que aconteça com eles o mesmo que já aconteceu com os outros.

Já está em discussão na Câmara Municipal um novo Plano Diretor para a cidade. Nele constam algumas dessas soluções sustentáveis?

Eu acredito que o que está na Câmara representa um claro avanço com relação ao que nós temos hoje de política urbana. Não resolve todos os problemas, mas essa é a natureza, revisar a cada quatro anos. O diagnóstico da prefeitura identificou que há algumas áreas muito densas na cidade, mas outras que poderiam se adensar, especialmente ao longo dos corredores viários, o que aproximaria as pessoas do transporte coletivo, do deslocamento menor. A ideia é criar centralidades dentro do município com maior diversidade de uso e ocupação. Outro ponto importante é que parte do recurso dessa outorga onerosa, que é a diferença entre o coeficiente básico e o máximo, vai ser utilizada na produção de habitações de interesse social. Hoje, nós temos um déficit de praticamente 70 mil unidades, segundo dados da Fundação João Pinheiro. Isso só em Belo Horizonte, sem contar mais ou menos 140 mil unidades na região metropolitana.

E o que o plano prevê no âmbito da mobilidade urbana?

É um plano que privilegia a mobilidade não motorizada e o transporte coletivo. Então, ele implanta uma rede de ciclovias, favorece a acessibilidade e a vida do pedestre, promove o comércio e serviço no térreo das construções, fomenta as construções de edificações chamadas sustentáveis, com reúso de água e aproveitamento dos recursos naturais.

Como colocar em prática esse plano em um cenário de crise financeira em todas as esferas?

A sustentabilidade urbana não tem que ser necessariamente acompanhada de um aumento de receitas e nem é uma solução que se torna mais cara. Nós temos instrumentos que podem ser muito mais bem utilizados e que, não só não envolvem a necessidade de maiores recursos, como podem gerar receitas. A outorga onerosa é um desses. É uma forma de você compartilhar com o empreendedor o ônus e o bônus daquela melhoria urbana. A outorga vai recuperar parte desse valor, na medida em que ela determina uma cobrança para sua construção além do mínimo previsto. É uma forma do empreendimento devolver aquilo que ele se beneficiou com a valorização que o poder público promoveu. Isso é uma moeda que não sai do orçamento e que gera receita.

Hoje, como é possível classificar a situação de BH no quesito políticas de sustentabilidade em comparação a outras capitais do Brasil e cidades de fora do país?

Eu reconheço vários avanços, foi feito um inventário de gases de efeito estufa, tivemos investimento no BRT e ciclovias, foi feito o selo BH Sustentável, dentre outras ações. Mas eu acho que, diante da nossa necessidade, ainda é algo tímido. Nós estamos diante de um modelo de desenvolvimento da cidade completamente esgotado, só que você não freia essa locomotiva de um dia para o outro. Nós precisamos mudar esse modelo, claro que essa mudança é um processo, mas nós precisamos ter mais ousadia para mudar.

Diante de todas essas necessidades, qual o maior desafio para o próximo prefeito?

Tem uma frase, se eu não me engano, é do Albert Einstein, que diz o seguinte: “Se a gente continuar fazendo exatamente as mesmas coisas, a gente não vai chegar a resultados diferentes”. Então o que para mim está claro é que nós estamos diante de um modelo completamente esgotado de desenvolvimento de cidade, e nós temos que ter um prefeito, no caso o Kalil, que se apresente como um prefeito que tenha coragem de romper com este modelo de cidade que nós temos. Um prefeito que olhe a questão da sustentabilidade, dos resíduos, do transporte não motorizado, das soluções naturalísticas para a cidade, da habitação de interesse social, da diversidade de uso e ocupação, dessas receitas que o poder público pode identificar a partir de instrumentos da política urbana e da inversão de prioridades. Então, se ele quiser melhorar só o que já existe, que é o discurso que sustentou na campanha, na verdade a gente vai estar olhando muito mais para o retrovisor do que para o para-brisa. Não adianta melhorar algumas coisas que conceitualmente já estão completamente esgotadas.

Como acha que a cidade vai estar daqui a 45 anos e como espera que estivesse?

De alguma forma os dois cenários, para mim, se aproximam porque eu sou muito otimista. Eu acho que hoje o nosso tecido urbano acaba sendo um reflexo dessa desigualdade social, então o que eu espero e acredito é que esse repensar da cidade leve a um tecido urbano que reflita uma menor desigualdade social, uma maior inclusão e diversidade. O que me faz ficar otimista é que, quando eu olho outras cidades, não só no Primeiro Mundo, mas logo aqui ao lado, vejo que elas têm essa incrível capacidade de se transformar, e com poucos recursos. Eu acredito nessa capacidade de Belo Horizonte. Mas a mudança passa pelo nosso comportamento cotidiano, nós temos que mudar para que a nossa cidade mude.

Entrevista originalmente publicada no jornal Hoje em Dia
Foto: Portal PBH