Coluna BIM: entrevista com o arquiteto João Gaspar, Secretário da CEE-134 da ABNT

Especialista é o próximo convidado da série ‘Precisamos Falar de BIM’, em evento marcado para o próximo dia 4 de setembro.

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O arquiteto João Gaspar é Secretário da Comissão de Estudos Especiais da ABNT, a CEE-134, grupo responsável pela criação, edição e publicação da NBR 15965 – partes 1 a 7, a primeira norma técnica brasileira sobre BIM. É também diretor TI Lab (centro de treinamento especializado em BIM) e da ProBooks Editora, além de autor de diversas publicações sobre a metodologia da informação da construção.

O arquiteto é o próximo convidado da série Precisamos Falar de BIM, em evento marcado para o dia 4 de setembro, às 16h30, na sede do Sinaenco, em São Paulo. As inscrições são gratuitas.

Nesta entrevista concedida ao Sinaenco, João fala sobre o trabalho da Comissão, iniciado com a tradução da ISO 12006-2, e sobre a relevância de um sistema de classificação das informações da construção para o desenvolvimento de trabalhos baseados na metodologia BIM.

Como se iniciou o processo de criação das normas técnicas sobre BIM no Brasil?

Por volta de 2009, 2008, existia uma demanda do mercado para se autorregular. A indústria de software, os fabricantes de componentes da construção, sentiam a necessidade de organizar o modo de classificar os objetos para bibliotecas de softwares de projeto. Havia entendimento de que seria difícil utilizar esses objetos sem a existência de um sistema padronizado.

Naquele momento, o significado que se atribuía ao BIM estava muito relacionado a uma categoria de programas. Quase dez anos depois, tanto o mercado, como a academia, entendem o BIM como um modo de fazer a gestão do processo de projeto e de obra.

A mudança no entendimento sobre o BIM impacta o trabalho da Comissão?

A evolução nos conceitos tem reflexos no trabalho da Comissão. No início da CEE-134, uma das atividades era estudar como as tabelas OmniClass e da ISO 12006-2 (Estrutura para Classificação da Informação) deveriam ser usadas para fazer a classificação dos objetos.

Mas a gente classifica, além de objetos, serviços, processos, obras, propriedades físico-químicas dos objetos. Além disso, esses sistemas de classificação não são exclusivos de softwares de projetistas. Eles podem ser utilizados também em sistemas de gestão, ERP, softwares de análise de caminho crítico (como Project ou Primavera), em sistemas de banco de dados.

Enfim, as codificações servem para dar fluidez em toda a cadeia de informação no processo de projeto e obra. A ideia de utilizar códigos numéricos ou alfanuméricos para descrever serviços, processos, objetos, tem o propósito de facilitar a comunicação entre sistemas computacionais, regularizando o entendimento entre todos os envolvidos.

Como está estruturado o trabalho da CEE-134?

A Comissão conta com profissionais que trabalham voluntariamente, de forma colaborativa, e que se reportam à ABNT. É composta por quatro grupos de trabalho. O GT de Componentes BIM foi o primeiro, criado ainda em 2012.

Até por conta da mudança na percepção do conceito de BIM ao longo do tempo, a Comissão vai entendendo que há outros aspectos que poderiam ser estudados.

Assim, foram formados em 2017 os GTs de BIM para Infraestrutura, Processos BIM e Arquitetura de Dados para BIM. Este último é orientado a entender, do ponto de vista computacional, como é a arquitetura de dados dos softwares para que se produzam os objetos corretamente.

Estamos buscando melhorar a transparência do que é feito pela Comissão. Temos uma página com as informações principais e as reuniões estão sendo disponibilizadas em um canal no Youtube.

 Qual o status atual dos trabalhos da Comissão de Estudos?

A tradução da ISO 12006 foi a primeira atividade da Comissão. Posteriormente, veio a publicação da NBR 15965-1:2011, que diz como é o sistema de classificação. Em seguida, foram publicadas as partes 2 e 3 (Características dos Objetos da Construção, em 2012; e Processos da Construção, em 2014), seguidas da parte 7 (Informação da Construção, em 2015).

Está mais próxima da publicação a parte 6 da norma (Unidades da Construção).

A prioridade da Comissão de Estudos neste momento é finalizar as tabelas 2C (Componentes) e 3R (Resultados), necessárias para concluir as partes 4 (Funções, Equipamentos e Componentes) e 5 (Elementos e Resultados da Construção). São tabelas complexas, com inúmeros termos em inglês, para traduzir e revisar.

 Sobre a NBR 15965: qual o escopo da norma?

O escopo é bem amplo. Diz respeito à normalização referente à modelagem da informação da construção, inclusive sistemas de classificação de elementos e componentes da construção.

A norma tem como referência a ABNT ISO 12006-2:2010 que, por sua vez, tem como base o sistema de classificação OmniClass. A ISO 12006 possui 15 tabelas, que permitem classificar os elementos construtivos e as atividades da construção, nas diversas fases, dos estudos de viabilidade, passando pela execução, acompanhamento da obra.

Qual a importância do entendimento sobre as normas técnicas para quem trabalha com base em BIM?

Em BIM, o produto final continua o mesmo, ou seja, projeto, espaço construído. Mas a logística de entrega, os ritmos de pagamentos mudam complementarmente. E as tabelas da norma são assistentes para trabalhar sob esse novo paradigma. Elas ajudam a entender como devem ser os seus processos, para se trabalhar com base em BIM.

O mercado acredita que trabalhar com o BIM significa ter um departamento a mais, oferecer treinamento para funcionário. E só. Mas é preciso mudar toda a lógica com que o escritório opera. Pois, o modo como se contrata projetos e como se é contratado muda.

O tradicional sistema de pagamentos por fase de entregas não existe no processo de trabalho baseado em BIM. Porque os projetistas começam a desenvolver o projeto virtualmente, de forma rápida e mais ou menos simultânea. Não existem gates de entrega com a mesma definição no espaço e no tempo como se tem num projeto faseado em desenho. Por isso, o modo de auferir trabalho é diferente. Mudam as formas de pagamento, os métodos de validação de entrega.

Em processos em BIM, é verdade, há desenhos a serem entregues. Mas eles são filhos da modelagem. Ao contrário do processo tradicional, em que primeiro há o desenho e depois a modelagem. Enfim, a diferença no modo de trabalhar é brutal.

Essa transição no modo de operar tem que ser construída de dentro para fora das empresas, irradiando dos tomadores de decisão principais para as equipes.

O fato do governo ter oficializado uma estratégia para a implementação do BIM no país impacta, de alguma forma, nos trabalhos da Comissão?

O planejamento do governo tem uma integração positiva com o trabalho da Comissão, mas independe dele. Uma vez que as normas estejam prontas e atualizadas, isso vai agilizar o processo de automatização dos bancos de dados sobre os quais os contratos serão construídos.

Mas o governo terá que aprender a contratar e receber em BIM, mudar a legislação. E, nesse processo, precisaremos de consultores muito bem fundamentados.

A Comissão está normalizando termos para facilitar a comunicação entre softwares, o que agiliza o processo. Mas o cerne da questão é mudar o processo de contratação e validação. Isso só se altera com mudança de cultura. Os governos e os órgãos de classe têm que apoiar as iniciativas para atualização do mercado para os novos modos de contratação, validação e pagamentos de serviços a partir do BIM.