O engenheiro que virou Uber

Por José Roberto Bernasconi*

Nos anos 1980, o caso do “engenheiro que virou suco” ficou famoso, na mídia e na boca do povo naqueles tempos pré-internet, como expressão dos efeitos desastrosos para a economia brasileira da recessão de 1982, que atingiu fortemente o setor de engenharia de projetos e de construção. Um engenheiro da capital paulista, desempregado, precisou abrir uma loja de sucos para ganhar a vida e tornou-se o símbolo da chamada década perdida da economia nacional. Nessa década, não houve investimento em infraestrutura e tampouco empregos para engenheiros.

A engenharia é o instrumento, a alavanca do desenvolvimento, do crescimento econômico, da construção de bens físicos, e o engenheiro é o seu operador. Quando a economia entra em parafuso e inicia uma espiral descendente por motivos políticos e de equívocos de gestão, gerando entre outros o gigantesco déficit fiscal do governo, os engenheiros e as empresas de engenharia de projetos e de construção tendem a ser incluídos no “memorial” às primeiras vítimas da pior recessão da nossa história, que já produziu cerca de 13 milhões de desempregados.

A engenharia é o instrumento, a alavanca do desenvolvimento, do crescimento econômico, da construção de bens físicos, e o engenheiro é o seu operador.

Nesse período, mais de 100 mil arquitetos e engenheiros perderam seus postos de trabalho nas atividades de projeto, gerenciamento de obras e construção. Sinal dos tempos, o profissional da engenharia desempregado nos dias que correm pode vir a ser conhecido como “o engenheiro que virou Uber”, alternativa que praticamente não exige investimento inicial – o veículo pode ser alugado -, o que atraiu muitos engenheiros na sua luta pela sobrevivência.

Esse cenário é evidentemente lamentável. Com a demissão de engenheiros e o fechamento ou a venda de empresas brasileiras de engenharia a concorrentes estrangeiras, o Brasil perde conhecimento estratégico e capacidade produtiva, fatores essenciais para o desenvolvimento do país. Estamos jogando fora boa parte do know-how, da competência reconhecida internacionalmente, da engenharia brasileira. Essa engenharia começou a ser reconstituída – após o desmanche dos anos 1980/1990 – a partir da primeira década dos anos 2000, quando a economia brasileira foi favorecida pelo demanda internacional por commodities (minérios e produtos agrícolas), deixando a balança de pagamentos superavitária.

Atualmente, o Brasil vem produzindo superávits na balança de pagamentos, com o aumento relativo das exportações, favorecidas ainda pelo dólar em patamares elevados. Portanto, as grandes empresas, nacionais e internacionais aqui sediadas, principalmente as dedicadas à mineração e ao agronegócio, estão com caixa robusto, aguardando um cenário de maior certeza econômica, equilíbrio fiscal e segurança jurídica para investir no desenvolvimento de infraestrutura e na expansão de suas atividades.

A única forma de reconstituir o equilíbrio fiscal, dizem 11 em cada 10 economistas sérios, chama-se reforma da Previdência Social

Para isso, a pedra angular, ou a única forma de reconstituir o equilíbrio fiscal, dizem 11 em cada 10 economistas sérios, chama-se reforma da Previdência Social. Essa reforma, que já deveria ter sido implementada, mas foi adiada, é a base para a recuperação das contas públicas e à retomada da confiança dos investidores nacionais e internacionais. Reconstruir o equilíbrio fiscal significa recuperar a capacidade de investimento do poder público, nas três esferas. Assim, instaura-se um ciclo virtuoso na economia: o equilíbrio fiscal, iniciado com a Reforma da Previdência, permite a retomada do desenvolvimento. Com essa retomada, pode-se também superar os índices pífios de investimento na infraestrutura praticados nos últimos anos, da ordem de 0,5% a 0,7%, quando o recomendado para as condições brasileiras é de investir 5% do PIB ao ano, a fim de superar os grandes gargalos que travam a expansão da economia e o desenvolvimento sustentável do país. E, consequentemente, o formidável acervo de conhecimentos obtidos pela engenharia brasileira voltará a ser utilizado, recuperando esse setor essencial para qualquer país.

E, ao tornar saudáveis as contas públicas, o governo conseguirá estabelecer um clima de confiança, interna e externamente. Isso possibilitará ao poder público oferecer segurança jurídica e receber também investimentos privados, por meio de parcerias público-privadas, concessões e, em determinados casos, privatizações, impulsionando ainda mais o necessário crescimento do país e a geração de empregos.

Para isso, é imperioso aprovar a Reforma da Previdência Social ainda neste final de governo Temer. A Previdência teve um déficit de R$ 268,8 bilhões em 2017, o equivalente a 2,8% do PIB brasileiro, ante déficit de 2,4% do PIB em 2016. Com a atual curva demográfica apontando para um aumento cada vez maior da expectativa de vida dos brasileiros, o déficit só tende a aumentar e de forma explosiva, se a reforma previdenciária não for implementada. As estimativas são de que o déficit da Previdência atinja R$ 350 bilhões em 2018, ou seja, quase R$ 30 bilhões de contas deficitárias por mês. Não há orçamento que suporte tal desequilíbrio. O presidente Michel Temer e os congressistas podem, assim, deixar uma marca positiva para o País, reafirmando o compromisso com a estabilidade fiscal e melhorando sensivelmente as condições macroeconômicas do Brasil.

O presidente Michel Temer e os congressistas podem, assim, deixar uma marca positiva para o País, reafirmando o compromisso com a estabilidade fiscal e melhorando sensivelmente as condições macroeconômicas do Brasil.

Esse verdadeiro nó górdio das contas públicas precisa ser cortado. E este é o momento. O presidente Michel Temer e os deputados e senadores da atual legislatura receberam um recado claro da sociedade brasileira, nas urnas, que exige mudanças no atual estado de coisas. É preciso retomar a trilha do crescimento e do desenvolvimento, única forma de gerar empregos e renda para atender às demandas atuais dos brasileiros. E, também, para garantir às futuras gerações que elas poderão contar com um sistema previdenciário sustentável economicamente, permitindo ao mesmo tempo a destinação dos recursos necessários ao desenvolvimento do país e ao investimento em áreas prioritárias como educação e qualificação de pessoal, habitação, saúde, e em tecnologia em áreas estratégicas da economia. O desafio está lançado. Cabe ao presidente Michel Temer e aos atuais congressistas mostrar que estão à altura do momento histórico e enfrentá-lo. A sociedade agradece.

 

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*José Roberto Bernasconi é engenheiro e advogado. Foi presidente do Sinaenco e do IE (Instituto de Engenharia). Atualmente, é membro do Conselho Diretor da Sindicato.