O Brasil em primeiro lugar

Por José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco

Donald Trump, o recém-empossado presidente dos Estados Unidos, iniciou seu mandato com uma série de medidas que geraram enorme controvérsia, nos EUA e no exterior. Sem entrar no mérito das demais propostas, é importante destacar um dos principais conceitos estratégicos defendidos por Trump, na verdade, reafirmando o que pregara em campanha: o “America first”, ou seja, “Os Estados Unidos em primeiro lugar”.  Nesse aspecto, esse é um bom exemplo para o Brasil.

A defesa dos interesses nacionais, buscando aumentar a competitividade e o crescimento das empresas nacionais ou estrangeiras aqui estabelecidas – equiparadas legalmente às empresas de capital nacional e sede no Brasil -, visando ao desenvolvimento do país com a elevação do número de empregos aqui seria em tese o que se espera de um governo brasileiro e dos dirigentes de empresas estatais. O Brasil em primeiro lugar, para tomar emprestado o lema de Trump, que cabe como uma luva para o nosso país, desde sempre e especialmente agora, quando a crise econômica está ceifando empregos e empresas. Infelizmente, não é o que vem acontecendo.

Em janeiro, a Petrobras convidou 30 empresas internacionais para participar da licitação para as obras da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) do Comperj.

Neste mês de janeiro, a Petrobras convidou 30 empresas internacionais para participar da licitação que definirá a construtora responsável por concluir as obras da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), após a construtora Queiroz Galvão ter desistido de continuar com a obra em 2015, em função da operação Lava-Jato.  A persistir esse critério de exclusão de empresas brasileiras, estará sendo desperdiçada uma imensa capacidade produtiva, já instalada e com elevada ociosidade, tanto na indústria da construção pesada quanto na indústria de materiais, de máquinas e de equipamentos.

Num momento em que a crise econômica reduz implacavelmente há quase três anos o nível de atividade de setores inteiros, em especial àqueles ligados à cadeia produtiva da construção civil, não é possível aceitar essa discriminação das empresas brasileiras numa obra que envolve cifras bilionárias e que pode alavancar tecnologia, empregos, renda e recursos essenciais para a tão aguardada retomada do crescimento do país. Alegar que não há empresas construtoras brasileiras capazes de, isoladamente ou em consórcio, levar adiante as obras do Comperj é, no mínimo, ignorar a realidade. E, em segundo lugar, sabe-se que essas empresas internacionais conquistam obras, nos países de origem e especialmente no exterior, nem sempre de forma absolutamente legal e transparente. Várias das empresas listadas entre as 30 convidadas têm problemas sérios com a Justiça de seus respectivos países.

A Petrobras, que já foi a segunda maior empresa de óleo e gás do mundo, foi responsável pelo desenvolvimento de tecnologia para a exploração de petróleo e gás em águas ultraprofundas, um feito celebrado mundialmente. Em dezembro último, a empresa informou ter atingido a marca de 1 bilhão de barris extraídos no pré-sal, que tem produtividade acima da média mundial em campos offshore e que já representa quase 50% da produção brasileira de petróleo. A importância estratégica do domínio dessa tecnologia e do controle dos campos petrolíferos pela Petrobras e empresas brasileiras pode ser reafirmado com a lembrança do episódio em que a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) tentou comprar a norte-americana Unocal, detentora de importantes reservas de óleo e gás nos Estados Unidos.

O Congresso norte-americano, então dominado pelos “liberais” Republicanos, vetou essa e outras aquisições ao aprovar legislação restritiva. Trump, na época, era apenas um bilionário do setor imobiliário e famoso também por participar de reality show. Os Estados Unidos, porém, sempre souberam preservar o que consideram estratégico para a segurança e o desenvolvimento do país – e petróleo e gás, obviamente, ocupa uma das primeiras posições nesse ranking.

Somos contra a xenofobia, mas não podemos aceitar a discriminação contra empresas brasileiras. Buscar a tecnologia, o conhecimento e a inteligência no exterior é positivo, mas exige estratégia que sirva ao desenvolvimento do Brasil.

Somos contra a xenofobia, mas não podemos aceitar a discriminação contra empresas brasileiras. Buscar a tecnologia, o conhecimento e a inteligência no exterior é positivo, mas exige estratégia que sirva ao desenvolvimento do Brasil. O melhor exemplo nesse campo é dado pela já longa e bem-sucedida experiência da China. Esse país, que despontou com força no final do século XX como mercado interno atraente e, especialmente, plataforma produtiva de baixo custo para exportação, exigiu das centenas de grandes e até médias empresas estrangeiras, dos Estados Unidos, da Europa e dos principais países mundiais, que fizessem joint ventures com empresas chinesas para poder atuar ali.

A brasileira Embraer, terceira maior empresa fabricante de aviões do mundo, precisou se associar a uma firma local para montar sua filial chinesa, por exemplo. A intenção explícita era a de que essas empresas transferissem tecnologia e métodos gerenciais às suas parceiras chinesas.  Os resultados dessa política são conhecidos e transformaram a China na segunda potência econômica atual, que consegue competir em setores que exigem elevada tecnologia e, em contrapartida, fabricam e exportam produtos de altíssimo valor agregado. Com essa política, criaram uma classe média de mais de 500 milhões de pessoas/consumidores.

É importante que o governo federal, representado pelo presidente da Petrobras, reflita sobre essas questões e corrija esse monumental equívoco na licitação do Comperj. Afinal, avança cada vez mais o desmonte da engenharia nacional, primeiramente, com as consequências da operação Lava-Jato sobre as grandes construtoras, que detêm relevante tecnologia de construção, de engenharia de obras, e posteriormente, pela crise econômica. No setor de arquitetura e engenharia de projetos, as demissões desde 2015 se aproximaram de cem mil postos de trabalho perdidos, isto de profissionais altamente experientes e qualificados, boa parte deles com doutorado e pós-doutorado. É tecnologia, conhecimento acumulado e estratégico para o país, mais uma vez sendo jogados na lata de lixo.

Por isso, o presidente Michel Temer tem ainda a possibilidade de reverter essa absurda e catastrófica decisão de discriminar as empresas brasileiras numa das mais importantes obras de engenharia atuais. E de mostrar que, para o seu governo, o Brasil está em primeiro lugar.

Foto: Divulgação/PAC