A era BIM nos empreendimentos públicos
Seminário promovido pelo Sinaenco, em 6 de novembro, propôs uma ampla discussão sobre os desafios da disseminação do BIM do país, com destaque para a infraestrutura pública.
A apresentação de exemplos internacionais – dos Estados Unidos, Chile e outros países – e da estratégia e casos relevantes no Brasil da implantação da modelagem da informação da construção marcaram o Seminário Internacional BIM: Uma Agenda para o Brasil, realizado pelo Sinaenco em São Paulo, em 6 de novembro.
O seminário foi realizado pelo Sinaenco com o objetivo de colaborar com o processo de ampliação do uso do BIM no Brasil, em especial nas obras públicas. O evento teve como pano de fundo o Decreto nº 9.377, de 17 de maio de 2018, que estabelece a Estratégia Nacional para a Disseminação da metodologia no país.
“No Brasil, já temos registro de inúmeras iniciativas e também políticas voltadas à adoção do BIM, implementadas ou em implementação por governos estaduais e municipais, empresas e órgãos públicos, companhias estatais e empresas privadas. E, este ano, a implantação da metodologia passou a contar com um poderoso catalizador – o Decreto nº 9.377”, contextualizou o engenheiro Carlos Roberto Soares Mingione, presidente do Sinaenco na abertura do evento. “Buscamos, por isso, colaborar com este processo e apresentar um pouco das experiências de implantação e utilização do BIM, no Brasil e no exterior”.
A curadoria do Seminário ficou a cargo do arquiteto Eduardo Sampaio Nardelli, vice-presidente de Arquitetura da Regional São Paulo do Sinaenco e coordenador de ações relacionadas à BIM na entidade. Cerca de 250 profissionais das áreas privada e pública e ligados, a maioria deles, à arquitetura e à engenharia, participaram do evento.
As estratégias do Brasil e do Chile
O seminário teve início com as exposições de Talita Saito, do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e coordenadora do Comitê Gestor da Estratégia BIM-BR, do arquiteto e professor da Universidade do Chile, Alberto Fernández González, e pesquisadora e professora colaboradora na FEC-Unicamp, Regina Ruschel.
Talita explicou que a estratégia para a disseminação do BIM no Brasil foi definida pelo Decreto nº 9.377 e formatada em quatro Programas-Piloto. São eles: o PAR-Programa de Aviação Regional; o Proarte, que envolve obras-de-arte, como pontes e viadutos, já construídas e sob atribuição do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes/Dnit (veja mais detalhes no quadro); as ações executadas nos imóveis jurisdicionados ao Exército brasileiro; e as executadas nos imóveis sob a jurisdição da Marinha.
O cronograma estabelecido tem como horizonte temporal o prazo de dez anos. Nesse período, explicou Talita, estão previstas três etapas, que têm como datas-marco 2021 (1ª Fase), 2024 (2ª Fase) e 2028 (3ª Fase), tendo como Ciclo de Vida da estratégia o Projeto (1ª Fase), Projeto e Obra (2ª Fase) e Projeto, Obra e Pós-Obra (3ª Fase). Segundo Talita Saito, uma obra feita integralmente em BIM custa cerca de 30% menos do que pelo método convencional. “Por isso, acredito que a Estratégia BIM-BR será mantida, mesmo com a planejada reforma ministerial”, afirmou.
O arquiteto Alberto Fernández González, fez uma exposição abrangente, contextualizando as origens do ensino da arquitetura chilena, com a inauguração, em 1849, da primeira faculdade específica na Universidade do Chile, passando para cinco escolas em 1980. Atualmente, existem nesse país 37 faculdades de arquitetura e 22.225 arquitetos. Desses, apenas 6.445 profissionais estão projetando em BIM – a previsão é de que 13,4 mil arquitetos projetem em BIM em 2025, enquanto a necessidade seria de 26 mil profissionais.
González explicou que, em 2016, o Chile estabeleceu por meio de um acordo Público-Privado o PlanBIM, envolvendo ministérios, entre eles o da Economia e de Habitações, e entidades como a Câmara Chilena de Construção e o Instituto de Construção do Chile. Como em outros países, a estratégia chilena prevê o uso do poder indutor do estado para incentivar a disseminação do BIM na sociedade: a partir de 2020, os projetos para obras públicas deverão ser desenvolvidos por essa metodologia.
Um dos grandes desafios a serem superados, segundo González, é a ignorância a respeito do BIM na cadeia produtiva da construção local: apenas 41% das universidades têm formação em BIM; metade desse percentual é composta por faculdades de arquitetura. E, dos 871 mil profissionais da indústria da construção chilena, apenas 40% possuem informação sobre a metodologia.
Para o arquiteto, a aplicação do BIM na modelagem de obras de infraestrutura é ainda incipiente. “Mas pode ser um bom exercício, por exemplo, para a construção de rodovias por concessionárias, já que essas empresas precisam obter o máximo resultado de seus investimentos”.
Regina Ruschel apresentou a palestra “Formação em BM”, na qual abordou as etapas do ensino e as métricas e parâmetros para avaliar competências em BIM.
Normas e Academia
Os professores-doutores Eduardo Toledo dos Santos, do Departamento de Engenharia Civil da Poli-USP, e Sergio Scheer, pesquisador de computação aplicada à construção civil da Universidade Federal do Paraná, realizaram palestras, nas quais traçaram um breve panorama histórico do BIM no Brasil em relação ao desenvolvimento das normas específicas, de literatura (guias, manuais) e de eventos-marco da implantação da metodologia em nosso país. Na sequência, foi realizada uma mesa-redonda, coordenada por Eduardo Sampaio Nardelli.
Calvin Kam: o BIM exige persistência e método
A palestra de encerramento, e a mais aguardada do seminário, foi proferida pelo especialista em BIM, o professor-doutor Calvin Kam, da Universidade de Stanford, da Califórnia, EUA, que contribuiu diretamente para a implantação do programa de BIM do General Services Administration (GSA) dos Estados Unidos. Kam mostrou em sua palestra como foram implantados e disseminados programas BIM nos Estados Unidos, Finlândia, Noruega, Dinamarca e Holanda, em 2008; Estônia, Islândia e México (2011); e em dez outros países, incluindo Canadá e Lituânia, entre outros.
Considerado um dos maiores especialistas do mundo em implantação de BIM, Kam traçou uma trajetória da evolução do uso do BIM, desde o programa inicial norte-americano em 2003 até os dias atuais, sempre recorrendo a exemplos. A modernização do edifício público federal Edith Green-Wendell Wyatt, realizada em 2012, foi um deles. O uso do BIM nesse projeto reduziu em 213 dias (de 359 para 146) o prazo para o desenvolvimento do projeto, de 12.800 para 6.300 e-mails, e de US$ 524 mil para US$ 197 mil, o equivalente a 2,6% do custo da construção, ante os 6,9% de custo pelo método convencional. Kam mostrou ainda que, em 2012, 70% da indústria da construção norte-americana utilizavam o BIM como instrumento de projeto, construção e operação de obras diversas.
O monumental projeto da Fundação Louis Vuitton, em Paris, França, de autoria do renomado arquiteto norte-americano Frank Gehry, é outro exemplo do incrível avanço obtido com o uso do BIM, de acordo com Kam. Nessa edificação, que tem uma solução estrutural em concreto com uma envoltória totalmente em vidro, gerando enorme transparência ao maior museu de arte francês, portanto de enorme complexidade projetual, a metodologia permitiu que mais de 400 profissionais, de 15 equipes baseadas em diversos países, desenvolvessem o projeto colaborativo no qual foram executadas mais de 100 mil interações em BIM. A metodologia permitiu uma redução de 600 dias no projeto/execução da obra e de 32 dias no desenvolvimento do projeto, com diminuição de quase 3% do custo.
A exigência da Inglaterra de que, a partir de 2016, os projetos de arquitetura/engenharia precisariam ser desenvolvidos em BIM 3D e de Cingapura, que estipulou o percentual de 80% da indústria local de construção utilizasse o BIM em seus projetos/obras foram alinhados pelo professor da universidade de Stanford como exemplos de indução bem-sucedidos. Segundo Kam, a Inglaterra também estipulou em 2016 a meta de 33% de redução de custos, 50% menos emissões de gases de efeito-estufa, mesmo percentual de diminuição de tempo de projeto/construção e de ganhos em exportações na indústria da construção britânica até 2025.
Kam avaliou que a estratégia de disseminação do BIM no Brasil em três fases – 2021, 2024 e 2028 – é correta e está bem-definida, em linhas gerais. “Mas é preciso que haja a persistência, o envolvimento das direções, públicas e privadas, na busca das metas estabelecidas”, explicitou ele.
As palestras feitas por representantes da Infraero, Sabesp e DNIT foram acompanhadas com grande interesse pelo público presente ao evento devido ao seu conteúdo prático e, também, bastante didático.
A Infraero, estatal responsável pelos 55 aeroportos sob o controle do estado brasileiro, com 49% de participação em cinco aeroportos privados, transporta mais de 100 milhões de passageiros/ano e tem receita de US$ 900 milhões/ano, com lucro líquido em 2017 de R$ 500 milhões/ano, após três anos de déficit. “O BIM faz parte das ações de governança de tecnologia, em busca de melhores resultados”, afirmou Carlos Eduardo Vasconcelos, assessor especial da Presidência da Infraero.
A implantação do BIM na estatal dos aeroportos brasileiros faz parte do projeto estratégico da empresa, visando a dar mais eficiência nos projetos e na gestão da informação e de melhorar a comunicação entre todas as áreas da companhia, explica Patrícia Cruz, BIM Champion da Infraero. O aeroporto de Londrina-PR, o maior da região Sul e um dos quatro maiores do Brasil, com 2,6 milhões de passageiros/ano, foi escolhido para receber o projeto-piloto para a implantação da metodologia.
Um dos primeiros passos nesse processo foi a definição do Comitê de Implantação estratégico BIM, com 50 profissionais envolvidos e dez modeladores BIM para definir as políticas a serem adotadas, entre elas, a modelagem paramétrica das 27 edificações do aeroporto, o estabelecimento do Plano de Gerenciamento BIM, incluindo as áreas de operação, patrimônio e comercial; a modelagem 3D do sítio aeroportuário, que contém todas as características físicas do aeroporto e estudos para novos projetos (ampliações, intervenções) e o escaneamento a laser do terminal. Segundo Patrícia, os benefícios pretendidos com a adoção da metodologia são a economia nos custos de manutenção, melhoria das operações, e sinergia positiva, com integração da empresa em relação a novos projetos e na gestão dos ativos e das informações, entre elas, as relativas à venda de espaços comerciais no terminal.
A experiência da Sabesp com o uso do BIM é recente: teve início em setembro de 2017, com relatou o engenheiro Francimar Nóbrega Rocha, um dos responsáveis na estatal paulista de saneamento pela implantação da metodologia. “Tínhamos, em setembro, o desafio de projetar cinco reservatórios de água (RAT) e 8 km de adutora em tempo recorde: três meses. O restante dos trabalhos deveria estar pronto até 28/02/2018”.
Nesse prazo exíguo foram feitos os trabalhos de implantação, consistindo nas definições e no planejamento de itens como o diagnóstico dos processos então existentes (como se projeta), definição das disciplinas-escopo da modelagem (para extrair os quantitativos do modelo), proceder à avaliação da estrutura de TI interna e dos colaboradores externos e atuar na capacitação das equipes (internas e externas). Na sequência, foi feita a customização para as características de trabalho da Sabesp e, posteriormente, passou-se ao desenvolvimento do projeto inicial, com a modelagem das disciplinas de arquitetura, civil e hidráulica.
Após os testes de coordenação entre as disciplinas, foram feitas as emissões dos projetos em BIM, a impressão de plantas em 2D com as especificações. A avaliação de Rocha sobre a superação dos desafios e a qualidade dos resultados obtidos é bastante positiva. “Conseguimos atender todos os prazos com margem de segurança, ganhando precisão e economia na revisão de pontos críticos dos projetos existentes. ” Ele cita o exemplo do projeto do RAT do Vale do Sol, cujo projeto inicial previa a necessidade de um muro de arrimo muito grande. A rápida e precisa análise do volume de aterro a ser feito permitiu constatar que essa solução era muito cara e que era melhor assentar os tanques do reservatório sobre rampas, sobre pilotis. Para Rocha, “os projetos elaborados em BIM geram valor, confiabilidade, agilidade e representam uma tendência sem volta”.
Dnit: aprendendo com o passado
O aprendizado com uma experiência malsucedida de implantação do BIM em 2011 foi fundamental para traçar um caminho mais seguro, na avaliação do engenheiro André Martins de Araújo, da diretoria de Planejamento e Pesquisa do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Em sua palestra no evento, Araújo explicou que a autarquia dos transportes escolheu começar pela base da pirâmide. “BIM não é só software, não é somente modelagem. Já fizemos modelagem 3D no Dnit, mas BIM não é só isso; exige fundamentalmente uma mudança de cultura.”
A opção atualmente em curso passou pela contratação de consultoria externa em BIM, com a implementação definida em ciclos, por sequência de projetos para possibilitar o aumento gradual do uso da metodologia. Para isso, foi escolhido um programa, o Proarte, que tem como objetivo a reabilitação e a manutenção de 8 mil pontes e viadutos dos 55 mil km da malha rodoviária federal brasileira sob a supervisão do Dnit. As etapas desse projeto passaram pelo diagnóstico da situação existente, de entrevistas com o corpo técnico do órgão e da análise do processo atual.
Foi criado um núcleo BIM na autarquia e um website, para dar transparência ao processo e aculturar os colaboradores internos e externos; definida também a estratégia para a gestão do conhecimento. Foi criado um manual, com os próximos passos, entre os quais se incluem o treinamento e a capacitação dos profissionais, com a realização de testes e avaliações. A expectativa, segundo Araújo, é realizar processos relacionados aos projetos de estruturas e um novo projeto-piloto envolvendo a infraestrutura rodoviária. “Tudo feito com planejamento e no tempo correto. ”